domingo, 29 de dezembro de 2013

A concepção de jogo a partir do viés Psicopedagógico.



A IMPORTÂNCIA DO JOGO DENTRO DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO-COGNITIVO INFANTIL
José Márcio Carlos[1]

RESUMO

O estudo proposto para este artigo se prestou a refletir a importância do jogo dentro do desenvolvimento sócio-cognitivo da criança, isto é, as contribuições do mesmo para o processo de crescimento e aprimoramento das dimensões sociais e cognitivas do universo infantil. Como bem se sabe, o conceito “jogo” não se restringe meramente ao aspecto lúdico, isto é, brincar por brincar . Quer dizer, ao observar a importância do brincar (jogar) na vida da criança, é possível notar as transformações que esta atitude influencia estruturalmente as crianças. E como se verá, sobretudo, com as reflexões de Piaget e Vygotsky, a criança que brinca ou joga vai construindo capacidades sócio-cognitivas satisfatórias, tanto a curto ou a longo prazo, visto que o jogo está intimamente ligado à construção da vida em sociedade e do cognitivo, ou seja, do ato de aprender. E, acima de tudo, é importante destacar que este desenvolvimento é sócio-cognitivo, uma vez que estas duas dimensões não podem ser concebidas separadamente, mas sim em plena conformidade e harmonia, haja vista que uma depende da outra, e a criança das duas.

PALAVRAS-CHAVE: Jogo, desenvolvimento sócio-cognitivo, lúdico


1. INTRODUÇÃO

            O ser humano quando nasce descobre um mundo que já tem uma organização, normas sociais e uma história. A presença dos outros seres humanos ao seu redor permite-lhe algumas manifestações simbólicas tais como, por exemplo, a linguagem e o pensamento.
            Por meio da constante interrelação com o mundo nas suas várias facetas, isto é, família, escola, sociedade e etc, o indivíduo vai construindo a sua aprendizagem. E esta é uma função integrativa, na qual se relacionam o corpo, a mente e a psique, a fim de que o mesmo possa apropriar-se da realidade de uma forma particular.
            É bem verdade que o ato de aprender acontece por meio de uma disposição interior de quem quer aprender e de quem ensina. E esta dinâmica já é um acontecimento desde a antiguidade, pois na “(...) antiguidade, a educação acontecia no cotidiano de cada indivíduo. Por intermédio da convivência como os membros mais velhos da comunidade, os amigos os vizinhos, as pessoas interiorizavam os valores e as normas sociais do ambiente em que viviam.” (MOURÃO SÁ, 2006, p.5)
            Essa tradição foi se desenvolvendo ao longo dos tempos até chegar aos grandes teóricos contemporâneos tais como, por exemplo, Jean Piaget e Vygotsky, os quais são autores que recordam essa dinâmica da aprendizagem desde os tempos remotos. Porém, o ato de aprender é amplo, há muitos vieses por onde trilhar. Tendo ciência disso, a disposição deste artigo é discernir a contribuição dos jogos para o desenvolvimento sócio-cognitivo infantil, percebendo o seu valor para a formação da consciência da criança quanto para a significação da vida em sociedade, fazendo desta, também, um caminho de crescimento cognitivo.
Queremos assim, com a ajudar de alguns autores, tratar do tema proposto e desenvolvê-lo, sobretudo dando destaque ao pensamento de Piaget, lembrando também de citar Vygotsky. Daí, pretendemos perceber a importância dos jogos infantil e como se dá esta relação da criança com o mesmo, partindo da ideia de que a criança se desenvolve a todo o momento mediante a prática do jogo, o qual reforça seu lado social e aperfeiçoa seu cognitivo, sua capacidade de aprender.


2. REVISÃO DA LITERATURA: AS CONCEPÇÕES DO JOGO

2.1. A CONCEPÇÃO DE JOGO EM VYGOTSKY

Vygotsky estabelece uma relação estreita entre o jogo e a aprendizagem, atribuindo-lhe uma grande importância. O centro da sua proposta reflexiva resulta no fato de que o desenvolvimento cognitivo resulta da interação entre a criança e as pessoas com quem mantém contatos regulares. E para que possamos melhor compreender essa importância é necessário que recordemos algumas idéias de sua teoria do desenvolvimento sócio-cognitivo.
O principal conceito da teoria de Vygotsky é o de “Zona de Desenvolvimento Proximal”, na qual ele explicita o valor da experiência social no desenvolvimento cognitivo infantil (Cf. OLIVEIRA, p.44). Ele se refere à distância entre o nível de desenvolvimento atual, determinado através da solução de problemas pela criança, sem ajuda de alguém mais experiente, e o nível potencial de desenvolvimento medido por meio da solução de problemas sob a orientação de adultos ou de crianças mais experientes. As interações da criança com as pessoas de seu ambiente desenvolvem-lhe, pois, a fala interior, o pensamento reflexivo e o comportamento voluntário (Cf. Vygotsky, 1984, p. 101).

No desenvolvimento, a imitação e o ensino desempenham um papel de primeira importância. Põem em evidência as qualidades especificamente humanas do cérebro e conduzem a criança a atingir novos níveis de desenvolvimento. A criança fará amanhã sozinha aquilo que hoje é capaz de fazer em cooperação. Por conseguinte, o único tipo correto de pedagogia é aquele que segue em avanço relativamente ao desenvolvimento e o guia; deve ter por objetivo não as funções maduras, mas as funções em vias de maturação (Vygotsky, 1979, p.138).

Particularmente, o surgimento de um mundo ilusório e imaginário na criança é o que, na visão de Vygotsky, se constitui o jogo. Quer dizer, ele nasce com a aparição do simbolismo. A chave para toda a função simbólica da brincadeira infantil é, portanto, a utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilidade de executar com eles um gesto representativo (Cf. Vygotsky, 1984, p.122).
Vale observar que não é o caráter de espontaneidade do jogo que o torna uma atividade importante para o desenvolvimento da criança, mas sim o exercício no plano da imaginação, da capacidade de planejar, imaginar situações diversas, representar papéis e situações do cotidiano, bem como o caráter social das situações lúdicas, os seus conteúdos e as regras inerentes à cada situação.
Também não é todo jogo da criança que possibilita a criação de uma Zona de Desenvolvimento Proximal, do mesmo modo que nem todo o ensino o consegue. Porém, no jogo simbólico, normalmente, as condições para que ela se estabeleça estão presentes, haja vista que nesse jogo estão presentes uma situação imaginária e a sujeição a certas regras de conduta. As regras são partes integrantes do jogo simbólico, embora, não tenham o caráter de antecipação e sistematização como nos jogos habitualmente "regrados".
Ao desenvolver um jogo simbólico, a criança ensaia comportamentos e papéis, projeta-se em atividades dos adultos, ensaia atitudes, valores, hábitos e situações para os quais não está preparada na vida real, atribuindo-lhes significados que estão muito distantes das suas possibilidades efetivas.
A atuação nesse mundo imaginário cria uma Zona de Desenvolvimento Proximal formada por conceitos ou processos em desenvolvimento.
Podemos sintetizar dizendo que: a regra e a situação imaginária caracterizam o conceito de jogo infantil para Vygotsky.

A criação de uma situação imaginária constitui, assim, a primeira manifestação da criança em relação às restrições situacionais. Ela possibilita que a criança opere com um significado alienado numa situação real e que renuncie aos seus impulsos imediatos, subordinando-se a determinadas regras. O atributo essencial na brincadeira é que uma regra torna-se um desejo, ou seja, satisfazer as regras torna-se uma fonte de prazer, o que, no futuro, constituirá o nível básico de ação real e moralidade do indivíduo (Cf. Vygotsky, 1984, p. 113-114).             

O autor também detecta no jogo outro elemento a que atribui grande importância: o papel da imaginação que coloca em estreita relação com a atividade criadora (Vygotsky, 1999). Ele afirma que os processos de criação são observáveis principalmente nos jogos da criança, porque no jogo ela representa e produz muito mais do que aquilo que viu.

Todos conhecemos o grande papel que nos jogos da criança desempenha a imitação, com muita freqüência estes jogos são apenas um eco do que as crianças viram e escutaram aos adultos, não obstante estes elementos da sua experiência anterior nunca se reproduzem no jogo de forma absolutamente igual e como acontecem na realidade. O jogo da criança não é uma recordação simples do vivido, mas sim a transformação criadora das impressões para a formação de uma nova realidade que responda às exigências e inclinações da própria criança. (Vygotsky, 1999, p.12).


2.2. A CONCEPÇÃO DE JOGO EM JEAN PIAGET

Para Piaget, o jogo possui estreita relação com a construção da inteligência, ressaltando que o prazer que resulta do jogo espontâneo motiva a aprendizagem. O jogo, enquanto atividade lúdica, constitui-se de um caráter educativo tanto na área da psicomotricidade quanto na área afetivo-social, auxiliando na formação de valores como a perseverança, a honestidade e o respeito.
Nesta concepção, os jogos consistem numa assimilação funcional, num exercício de ações individuais já aprendidas, consolidando assim os esquemas já formados. Piaget classifica os jogos em três tipos. Contudo, os veremos no tópico seguinte.
O estágio sensório-motor representa a forma inicial do jogo na criança. Nos diz Piaget:
Ao cabo do período sensório-motor (...) surge uma função fundamental para a evolução das condutas ulteriores, que consiste em poder representar alguma coisa (um “significado” qualquer: objeto, acontecimento, esquema conceptual etc.) por meio de um “significante” diferenciado e que só serve para essa representação: linguagem, imagem mental, gesto simbólico etc (PIAGET E INHELDER, 1980, p. 46).

Quando a criança toma consciência de suas novas capacidades, cada nova aprendizagem que faz, ela volta a utilizar os jogos que acabam por formar novos esquemas de ação ou de conduta. O jogo de exercício caracteriza-se pelo puro prazer que, por sua vez, traz um significado a ação.
Apesar destes jogos aparecerem nos primeiros anos de vida, eles reaparecem durante toda a infância e muitas vezes até na idade adulta.
Refere-se ao período pré-operatório dos dois aos sete anos aproximadamente.
Nesta fase a criança ainda encontra o mesmo prazer dos jogos anteriores, porém neste momento ela passa a usar os símbolos.
Daí podemos ter mais clareza quando Piaget diz: “O jogo simbólico assinala, sem dúvida, o apogeu do jogo infantil” (PIAGET E INHELDER, 1980, p. 51). Porque os jogos simbólicos permitem a assimilação do mundo exterior ao “eu” da criança. Diante disso, Piaget faz-nos a seguinte ressalva:

É, portanto, indispensável ao seu equilíbrio afetivo e intelectual que possa dispor de um setor de atividade cuja motivação não seja a adaptação ao real senão, pelo contrário, a assimilação do real pelo eu, sem coações nem sanções: tal é o jogo, que transforma o real por assimilação mais ou menos pura às necessidades do eu, ao passo que a imitação (quando constitui fim em si mesma) é acomodação mais ou menos pura aos modelos exteriores e a inteligência é equilíbrio entre a assimilação e a acomodação (PIAGET E INHELDER, 1980, p. 52).

Há então a presença do “faz-de-conta”, no qual a criança utiliza outros objetos para simbolizar que está comendo, ou dormindo, ou fazendo qualquer outra atividade. Ao se tratar, por exemplo, da observação de uma briga entre seus pais, quando for jogar, a criança poderá resolver esta briga através das suas representações. Quando ela utiliza os jogos simbólicos, tem a capacidade de, ao vivenciar aspectos de sua realidade, fazer elaborações mentais e projetar isso ao jogar. Com isso, a visão de mundo dela vai sendo paulatinamente elaborado.
Os jogos simbólicos apresentam uma evolução até a criança chegar aos sete anos de idade. Nos primeiros anos desta fase, ou seja, dos dois aos quatro anos aproximadamente, a criança utiliza seu próprio corpo para fazer as representações que deseja, como, por exemplo, imitar animais, no caso do gato ela se ajoelha ficando em quatro apoios e imita o som do gato.
Ao se aproximar dos sete anos, onde surge o pensamento intuitivo, os jogos passam a ter uma representação mais “fiel” da realidade. Ai a criança busca coerência nas palavras, no ambiente e na ação, ou seja, ela não vai, por exemplo, ao brincar, colocar uma boneca muito grande dentro de um berço pequeno, pois sabe que isto não será possível. Daí ser possível perceber que o símbolo substituiu o exercício, o que fará agora com que a regra substitua o símbolo.
Neste momento, a criança alcançou a capacidade de reversibilidade do pensamento operatório concreto. Além disso, há a necessidade dela trabalhar com a atenção, concentração, raciocínio e a sorte.
E para haver regras, supõe-se a existência de no mínimo dois indivíduos envolvidos, e estas regras podem ser transmitidas ou espontâneas.
As regras transmitidas são as que procedem de outras gerações. As espontâneas provêm dos jogos momentâneos.
Por fim, para Piaget, o jogo se caracteriza, principalmente, por ser lúdico; a assimilação predomina a acomodação; estruturar-se pela organização mental e as regras aparecerem com a socialização da criança.


2.3. OS TIPOS DE JOGOS

É bem certo que, dentre os principais tipos de jogo, podemos mencionar o jogo de exercício, por caracterizar o período sensório-motor; o jogo simbólico, que tem o seu apogeu durante a etapa pré-operatória; e o jogo de regras, que começa por volta dos 6 ou 7 anos e vai se prolongando até o início da adolescência. (Cf. DELVAL, 1998, p.90).
Na visão de Piaget (1978), as origens das manifestações lúdicas acompanham o desenvolvimento da inteligência vinculando-se aos estágios do desenvolvimento cognitivo. Cada etapa do desenvolvimento está relacionada a um tipo de atividade lúdica que se sucede da mesma maneira para todos os indivíduos.
Ao identificar três grandes tipos de estruturas mentais que surgem sucessivamente na evolução do brincar infantil, vale comentá-los, a fim de perceber as suas importâncias:
O jogo de exercício
Representa a forma inicial do jogo na criança e caracteriza o período sensório-motor do desenvolvimento cognitivo. Manifesta-se na faixa etária de zero a dois anos e acompanha o ser humano durante toda a sua existência — da infância à idade adulta.
A característica principal do jogo de exercício é a repetição de movimentos e ações que exercitam as funções tais como andar, correr, saltar e outras pelo simples prazer funcional.
 O jogo simbólico
Tem início com o aparecimento da função simbólica, no final do segundo ano de vida, quando a criança entra na etapa pré-operatória do desenvolvimento cognitivo. Um dos marcos da função simbólica é a habilidade de estabelecer a diferença entre alguma coisa usada como símbolo e o que ela representa seu significado.
O jogo de regras
Constituem-se os jogos do ser socializado e se manifestam quando, por volta dos 4 anos, acontece um declínio nos jogos simbólicos e a criança começa a se interessar pelas regras. Desenvolvem-se por volta dos 7/11 anos, caracterizando o estágio operatório-concreto.
Convém também destacar a brincadeira do Faz-de-conta ou, na visão de Vygotsky, chamado de “jogo imaginário e representativo das crianças” (Cf. NEGRINE, 1995, p.18), pois é o Lugar do Simbolismo, da Representação, do Imaginário.
Para Piaget (1978), quando brinca, a criança assimila o mundo à sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interação com o objeto não depende da natureza do objeto, mas da função que a criança lhe atribui. É o que Piaget chama de jogo simbólico, o qual se apresenta inicialmente solitário, evoluindo para o estágio de jogo sócio-dramático, isto é, para a representação de papéis, como brincar de médico, de casinha, de mãe etc.
O apogeu do jogo simbólico situa-se entre 2 e 4 anos de idade, declinando a partir daí. Envolvendo duas criança de 4 anos num balanço: uma age “como se” estivesse em um avião e precisasse mudar os planos de vôo porque tem pouca gasolina. E a outra está apenas tentando se balançar buscando adquirir confiança para ir o mais alto que pudesse. Com isso, nota-se que há um contraste entre esse tipo de jogo, tanto num viés do faz-de-conta quanto no brincar de uma criança que simplesmente se balança o mais alto que pode em um balanço.
A primeira criança, de acordo com Piaget, estaria introduzindo elementos de “como se” e graus de fantasia, os quais estariam modificando a situação, enquanto a outra, na sua brincadeira, estaria apenas procurando dominar dificuldades.
A maior parte dos jogos de faz-de-conta envolve transações interpessoais, eventos e aventuras que englobam outras características e situações no espaço e no tempo. O jogo imaginativo acontece com pares ou grupos de crianças que introduzem objetos inanimados, pessoas e animais que não estão no momento.


3. COMPRENDENDO O DESENVOLVIMENTO SÓCIO-COGNITIVO

3.1. SIGNIFICANTE E SIGNIFICADO: INÍCIO DA REPRESENTAÇAO INFANTIL

            Falar sobre significante e significado é, antes de qualquer coisa, perceber que estes se dão no contexto em que a capacidade de representação da criança começa a surgir muito gradativamente, embora ainda não se possa falar claramente em representação. “Ao longo do período sensório-motor a criança consegue progressos na área do conhecimento do mundo e do desenvolvimento da sua inteligência, mas encontra-se ainda limitada a agir diretamente sobre as coisas (...)” (DELVAL, 1998, p.87).
            A representação permite agir sobre a realidade não de forma direta, e sim imediata. E ela vai se dá ao final do período sensório-motor. Consiste em fazer uma alusão ou uma evocação de um objeto ou acontecimento que não está presente, por meio de outra coisa. Esse agir abrirá grandes possibilidades para o desenvolvimento do indivíduo, visto que se dará uma ampliação da sua capacidade de agir sobre as coisas, uma vez que não se precisará de fazê-lo, necessariamente, de forma material, já que também será possível agir de forma simbólica. (Cf. DELVAL, 1998, p. 87)
            Os antecedentes da capacidade representativa devem ser encontrados nas situações em que a criança, a partir de um aspecto de uma determinada realidade, é capaz de reconhecer outros aspectos ou o conjunto da mesma. Utiliza-se de um “significante” para designar algo diferente, próximo ou idêntico, que é o significado.


3.2. OS TIPOS DE SIGNIFICANTES

            É bem certo que nem todos os significantes são do mesmo tipo e, neste sentido, podem ser classificados de acordo com o grau de conexão existente entre significante e significado. Desse modo, podemos distingui-los em três tipos, conforme nos ajuda a discernir o comentador Juan Delval (1998, p.88):
            O primeiro tipo se dá quando o significante e o significado não estão diferenciados, daí falamos em índices ou de sinais. Por exemplo: fumaça é sinal de fogo, ou um ruído em uma determinada sala próxima é um indício da presença de alguém se aproximando. Neste contexto não há nada mais do que uma associação entre significante e significado. E não se fala propriamente ainda em representação.
            No segundo tipo, o significante se diferencia do significado, porém mantém uma conexão com ele. Por isso, fala-se de símbolos. Desse modo, por exemplo, um pedaço de pau sobre o qual um menino monta simboliza um cavalo, semelhança essa reside no fato da possibilidade de montá-lo e deslocar-se. A balança simbolizar a justiça pelo seu equilíbrio; um desenho de uma casa simbolizar uma determinada casa.
            Já no terceiro e último tipo, os signos são significantes totalmente diferenciados dos seus significados. Um exemplo disso são as palavras da linguagem: entre a palavra “porta” e uma porta não existe nenhuma relação, haja vista que em diferentes línguas são usadas diferentes palavras (os signos são arbitrários); os erradamente denominados símbolos matemáticos: não há relação também entre o signo “+” e a operação de adição.
            Por fim, diante destes três tipos de significantes ante o seu significado, percebe-se que há uma escala de maturidade, ou seja, conforme uma criança for se desenvolvendo e ampliando seus conhecimentos dentro do contexto de mundo, favorecido pela convivência em sociedade, mais amadurecerá suas capacidades cognitivas e saberá distinguir tanto as regras individuais, particulares quanto as regras coletivas, que requerem conhecimento de mundo.


4. A LUDICIDADE E SUA COLABORAÇAO PARA O DESENVOLVIMENTO SÓCIO- COGNITIVO INFANTIL

Kishimoto (2000) defende que a brincadeira e o jogo interferem diretamente no desenvolvimento da imaginação, da representação simbólica, da cognição, dos sentimentos, do prazer, das relações, da convivência, da criatividade, do movimento e da auto-imagem dos indivíduos.
O ato de brincar é de grande valor na construção do conhecimento, por permitir que a criança explore seu mundo interior e descubra os elementos externos em si, exercite a socialização e adquira qualidades fundamentais para seu desenvolvimento físico e mental.
Toda criança deve brincar, pois é através da brincadeira que a criança atribui sentido ao seu mundo, se apropria dos conhecimentos que a ajudarão a agir sobre o meio em que ela se encontra. Em alguns momentos ela vai reproduzir, em suas brincadeiras, situações que presenciou em seu meio.
Contudo, Brougère (2001, p. 99) lembra que “brincadeira é uma mutação do sentido, da realidade: as coisas tornam-se outras. É um espaço à margem da vida comum, que obedece a regras criadas pela circunstância”. Para Winnicott (1982), é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou adulto fluem sua liberdade de criação. Mesmo as mais simples brincadeiras, aquelas que todo mundo faz com bebês, são estímulos importantes para o desenvolvimento infantil.
A experiência lúdica se alimenta continuamente de elementos que advêm da cultura em geral. Essa influência se dá de várias formas e começa com o ambiente e as condições materiais. O que dizem e o que fazem os adultos a respeito dessa atividade, bem como o espaço, o tempo e os materiais colocados à disposição das crianças (na cidade, nas moradias e nas escolas), são aspectos que vão ter papel fundamental para o desenvolvimento da experiência lúdica.
A forma de comunicação própria da brincadeira pressupõe um aprendizado com consequências sobre outros aprendizados, pois permite abrir possibilidades de distinção entre diferentes tipos de comunicação: reais, realistas, fantasiosas. A criança, quando brinca, entra num mundo de comunicações complexas que vão ser utilizadas no contexto escolar, nas simulações educativas, nos exercícios. Nesse sentido, é extremamente importante distinguir os diferentes tipos de atividade que podem e devem ter seu lugar garantido no contexto escolar.
Entende-se que a atividade lúdica, sobretudo, na educação infantil não é um mero passatempo, ela ajuda no desenvolvimento integral das crianças, promovendo processos de socialização e descoberta do mundo. A criança tem dentro de si potencial e este emerge nas situações de sua vida, principalmente, nas brincadeiras interativas, são nestes momentos, que o indivíduo apresenta ao mundo seu ritmo e sua harmonia. A brincadeira nada mais é do que a linguagem da criança.
Sendo assim, a ludicidade tem uma importância fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. O ato de brincar tem um grande valor para que a criança explore o mundo e construa conhecimento.


CONCLUSÃO

            Chegado ao término de nossos prévios esforços, na tentativa de explanar o mais claro e sinteticamente o tema proposto para este artigo, desejamos enfatizar algumas ideias que ficaram desta reflexão, ainda que parcialmente, uma vez que o tema não está fechado ou acabado.
            Fundamentalmente, fica evidente afirmamos que o jogo é uma ferramenta essencial na formação integral da criança, sobretudo no que concerne aos aspectos social e cognitivo. Ao interagir com o jogo e no jogo, a criança tende a aprender, aprimorar e a expandir as suas capacidades de convivência social e crescimento intelectual.
        Embora haja autores que reflitam a relação entre a criança e as dimensões sócio-cognitivas, cada qual, por um determinado e diferente ponto de vista, é unânime em afirmar o valor e a importância do jogar ou brincar para a fase infantil em sua plenitude. Isso porque não vêem o jogar ou brincar como um mero ato lúdico em si mesmo, mas fazem uma leitura mais ampla deste contexto, visto que esta atividade tão prazerosa e, em determinada fase da infância, tão desafiadora, sobretudo com a presença das regras, traz benefícios formativos e estruturais para o crescimento da criança.
          Neste sentido, esta empreitada se tornara um labor tão necessário, pois ao meditarmos os diversos contextos em que a criança se porta mediante o jogar ou brincar, principalmente se relacionando diretamente com o objeto do jogo e agregados, podemos notar o quanto mais precocemente a criança já se inserir no mundo do jogo, mais ela terá condições de se desenvolver sadiamente e passo por passo, sem correr riscos de queimar etapas, uma vez que o jogo traz consigo também o aspecto do crescimento gradativo.
          Jogar é preciso. Ousemos incentivar e também jogar, não importando a idade, porque a socialização e a aprendizagem cognitiva não tem limites.




[1] CARLOS, José Márcio. Graduado em Filosofia pela Faculdade Arquidiocesana de Mariana “Dom Luciano”. Pós-graduado em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela EVaTA, em Viçosa-MG.

segunda-feira, 21 de março de 2011

"Sem a música, a vida seria um engano" Nietzsche

Reflexões a respeito da nova paisagem sonora
Juliana Alves Moreira
Graduanda em Música - Licenciatura pela Universidade Federal de Ouro Preto/UFOP
IFAC - Instituto de Filosofia, Artes e Cultura - Campus Morro do Cruzeiro



“Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação da Quinta de Beethoven: - Sim, mas isso é música?
Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação do Tristão de Wagner: - Sim, mas isso é música?
Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação da Sagração de Stravinsky: - Sim, mas isso é música?
Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação do Poème électronique de Varèse: - Sim, mas isso é música?
Um avião a jato arranha o céu por sobre minha cabeça, e eu pergunto: - Sim, mas isso é música? Talvez o piloto tenha errado de profissão?”

É assim que o escritor Murray Schafer inicia suas reflexões em torno na nova paisagem sonora, presentes em sua obra intitulada “O Ouvido Pensante”. Neste capítulo, Schafer nos transporta à sala de aula de música, a fim de descobrirmos qual a nossa função ali. A questão é apresentada: “O que é música?” Nesse contexto, chega-se à conclusão de que é preciso rejeitar todas as definições costumeiras, porque elas não são suficientes para incluir todos os objetos ou atividades referentes à categoria em questão.
O autor chama a atenção para o fato de que não gostava de pensar que a definição de música, objeto do qual ele devotava a sua vida, fosse uma tarefa impossível: “Eu achava que John Cage também não pensaria isso, e então escrevi para ele e lhe pedi sua definição de música. Sua resposta: “Música é sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora de salas de concerto (...)”. A definição de música como simples “sons” era uma atitude impensável em tempos atrás, mas hoje tem se tornado algo mais aceitável.
Para se compreender melhor o conceito de paisagem sonora, seguem algumas reflexões a respeito das idéias propostas pelo educador M. Schafer no contexto da sala de aula:
O conceito de “Paisagem sonora” e “ecologia sonora” surgiram no final dos anos 1960 com pesquisadores da Simon Fraser University, no Canadá. Liderados por Murray Schafer, este grupo de pesquisa formou o World Soudscape Project (WSP) com a finalidade inicial de estudar o meio ambiente sonoro. Mas, a filosofia de estar atento ao som natural de ambientes já encontrava adeptos entre alguns músicos do século 20 e está presente na obra de vários compositores contemporâneos.
Em suas palestras e aulas, Schafer sugere uma “limpeza dos ouvidos”, ou seja, a expansão de nossa percepção auditiva. Dessa forma, ele nos convida a ampliar nossa escuta, percebendo os sons de diversos ambientes. Para isso, Schafer utiliza estratégias para sensibilizar o ouvido de seus alunos como, por exemplo, fazer um passeio em um supermercado de olhos totalmente vendados. Assim, nos obrigamos a valorizar o nosso sentido da audição.
Essa perspectiva inspirou os educadores musicais e os compositores em geral, pois a percepção ampliada da “paisagem sonora”, de certa maneira, se tornou uma motivação para uma ampliação das possibilidades expressivas da música.
Diferentes povos e culturas criam paisagens sonoras diferentes. A paisagem sonora na qual vivemos nos traz o sentimento de pertencimento, de fazer parte daquele ambiente. Alguns músicos da contemporaneidade inspiram-se nessas diferentes paisagens, criando em suas composições sons que não são produzidos por instrumentos musicais, como Hermeto Pascoal e John Cage, entre outros.
Além dessa perspectiva estética da música, o conceito de “paisagem sonora” amplia a consciência em relação aos sons que queremos manter no nosso ambiente e aqueles sons desnecessários, que nos causam danos.
Apesar de fazer parte da paisagem sonora, a poluição sonora das grandes cidades com ruídos em alto volume impede que as pessoas ouçam as frequências mais baixas, e se torna uma grande inimiga da percepção auditiva por saturar os ouvidos. A poluição sonora da sociedade urbana e industrial muitas vezes "esconde" os sons mais sensíveis dos ambientes.


Referências bibliográficas:
Sugestão: vídeo sobre o tema realizado por Abel Roland para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O vídeo dura 16 minutos aproximadamente.
SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Unesp, 1991.
http://www.nics.unicamp.br/nicsnews/002/reportagem.php

quarta-feira, 16 de março de 2011

Psicologia e as fase de desenvolvimento humano!

As fases do desenvolvimento humano e suas singularidades
 José Márcio Carlos

            Quando se pensa no ser humano, a primeira coisa que vem à mente de qualquer pessoa é quanto à referência de em qual fase da vida se encontra tal indivíduo. Isso ocorre porque cada fase do desenvolvimento humano carrega consigo uma singularidade, ou seja, características próprias para aquele momento da existência.
            Tendo em vista estes pressupostos, fica claro que cada etapa em que o ser humano se encontra deve ser vivida em harmonia e em consonância com o grau de amadurecimento concedido pelas características específicas da fase de desenvolvimento vivenciada. Mas, será que este tipo de consciência tem se efetivado e se concretizado no mundo atual?
            O gênero humano não é um ser acabado e nem será, visto que a sua existência é composta de fases. Ao longo da vida, elas sempre sofrem modificações próprias para a continuidade do processo de amadurecimento e crescimento nas várias faculdades humanas (intelectual e espiritual, por exemplo).
            Dentro do seu processo de crescimento, o homem vai também trabalhando sua individualidade, singularidade, pois ele é uma pessoa única tanto em seus aspectos biológicos quanto genéticos. Ele é quem modela o seu próprio estilo de vida, isto é, sua identidade, a fim de que jamais se perca em outros tipos de personalidade.
            A vida de cada pessoa é composta de várias fases de desenvolvimento: infância, adolescência, juventude, fase adulta e velhice. Estas fases não acontecem ao mesmo tempo, com as mesmas qualidades e limitações, porém todos ao seu devido tempo. Não são permanentes, quer dizer, ninguém permanece criança, adolescente, jovem, adulto ou velho eternamente, no entanto somente por certo período de tempo.
            Entretanto, um grande desafio a ser vivido nos últimos tempos tem sido o fato das pessoas estarem incutindo características próprias de uma fase da vida em outras, sem sequer respeitar o grau maturidade daquela outra fase. Já que cada fase é única e singular. Por isso, esta questão merece uma maior reflexão.
            Começando pelas crianças, quando se pensa na infância, as características que mais remetem a este período são o fato de ser para elas os primeiros contatos com a realidade, a liberdade para brincar, sem preocupação ou deveres pendentes, a dependência literalmente dos pais ou responsáveis e etc. Tudo isso para indicar que este contexto é de mais aquisições do que propriamente de obrigações.
            Mas, ao transpor estas características para a realidade, percebe-se que o que tem ocorrido é, na verdade, o contrário. As crianças não estão agindo conforme as características que lhes são próprias. O que se vê são crianças trabalhando no meio rural, lavando pára-brisa de carros, sobretudo, nas grandes cidades, cuidando de outras crianças ainda menores e etc. Este tipo de realidade é prejudicial, pois ela distorce o verdadeiro sentido da infância, assim como a mentalidade das outras pessoas, e poder ser o fator determinante para as futuras decisões da criança.
            O período da adolescência até a juventude é também muito importante e deve ser vivido com muita seriedade, porque é o momento em que o adolescente chega ao período da puberdade e começa a se preparar para as futuras escolhas e realizações de seus sonhos. Após a adolescência, a juventude é uma etapa em que a pessoa passa a colocar algumas decisões em prática como, por exemplo, estudar em uma universidade, início de um namoro e etc.
            O risco que se corre também nesta situação é de enxergá-la já como fase adulta e não como um processo de transição. Às vezes, o adolescente ou o jovem se vê sufocado por cobranças que não fazem parte da etapa em que está vivendo. Por exemplo: certas formalidades ou até mesmo responsabilidades. Eles gostam mais de informalidade, falar “gírias”, se vestir sem muita etiqueta e etc.
            No entanto, a fase adulta, essa sim, carrega em si as responsabilidades que a vida pode oferecer. Enquanto adulto, tem-se a mentalidade de que a pessoa já é um ser formado, pronto para enfrentar e vencer os desafios que possam vir. Imagina-se, nesta conjectura, que a pessoa já esteja com os alicerces da vida bem organizados e os projetos de vida bem executados ou bem trabalhados.
            Porém, pensar dessa forma da fase adulta é também um problema, haja vista que trás alguns prejuízos. O adulto é visto como uma pessoa que não pode errar, que já alcançou o “grau máximo” de amadurecimento e da consciência de si. Ele pode até ter um amadurecimento expressivo, mas não o possui completamente.
            Enfim, a fase da velhice é, de certa forma, o “ápice” do desenvolvimento humano. Ao olhar para trás, o ser humano percebe o quanto caminhou e o quanto cresceu ao longo da vida. E o mais interessante: pode chegar também à conclusão de que inda falta muito para aprender, assim como tem muito a ensinar para os outros com o seu jeito de ser.
            Contudo, a velhice, às vezes, não é compreendida como uma etapa de grande valor da vida, e sim como um período de insuficiência, inutilidade, um estágio de aproximação com a morte. Isso faz com que os valores da velhice sejam distorcidos e não respeitados.
            Tendo em vista todos os aspectos aqui refletidos, nota-se o quanto cada etapa da vida humana é importante e deve ser respeitada, principalmente nas suas diversas características. Cada pessoa deve viver sua vida de acordo com o que é específico de cada etapa, sem se preocupar em saltar etapas ou ser obrigado a ultrapassá-las, a fim de que não haja tantos transtornos para a pessoa e para as próximas gerações vindouras.