quarta-feira, 2 de março de 2011

Aristóteles e sua Filosofia metafísica!

A substância e sua importância na concepção Aristotélica
 José Márcio Carlos

Introdução
            Visto que, ao propor um itinerário filosófico na linha metafísica, ou seja, um aprofundamento a respeito do ser, cabe ao filósofo fazer uma reflexão mais apurada de tudo aquilo que o ser transparece a ele, assim como investigar tudo aquilo que não é claro no processo de conhecimento do ser.
            Ao conhecer o ser, este apresenta-se de diversos modos e significações. Entretanto, alguns aspectos exigem uma particularidade, um estudo mais aprofundado, devido a sua importância. Aristóteles, na sua metafísica, percebe que o principal aspecto do ser é a “Substância”, pois a compreensão dos outros aspectos que ele encontrou no ser dependem da substância.
             Tendo em vista este ponto de partida, este trabalho irá tentar expor em linhas gerais o papel, a presença e principalmente a importância da substância, do ponto de vista “material”, no desenvolvimento da metafísica de Aristóteles.

1. A substância como primeiro significado do ser
            Quando se faz um estudo da metafísica, este tem como finalidade descobrir “O que é o ser” e assim descrever as principais razões de sua existência. Aristóteles faz este estudo a respeito do ser pela metafísica ou “filosofia primeira”, como ele a chamava e que mais tarde seria assimilada pela posteridade com o nome de Metafísica mesmo.
            Mas, o que é o ser? Ao ser lançada esta pergunta, muitos filósofos buscaram responder esta indagação filosófica. O próprio Aristóteles na sua metafísica retrata a visão de alguns filósofos como Parmênides, os Eleáticos, e até mesmo Platão, o qual foi discípulo.
            Parmênides e os eleáticos diziam que o ser deveria ser entendido como unívoco. Essa univocidade comporta também a visão de unicidade. Em relação a Platão, este realizara grande progresso ao introduzir o conceito de não-ser. No entanto, não progredira mais, pois ele não inseriu o mundo sensível na esfera do ser.
            Ao questionar a posição destes filósofos, Aristóteles introduziu sua grande reforma, que implica na superação total da visão de ser deles, principalmente dos eleáticos; o ser não tem apenas um, mas muitos significados: “(...) Em muitos sentidos se pode dizer que uma coisa “é ” (...)”[1].
Entretanto, ao perceber que há uma multiplicidade e variedade de significados do ser,  Aristóteles, em suas reflexões, chega à conclusão de que a substância é o primeiro e mais importante significado do ser:

“[...] em vários sentidos se pode dizer que uma coisa é. Num desses sentidos ‘ser’ significa ‘o que uma coisa é’, ou uma essência; noutro, designa uma qualidade, uma quantidade ou algum outro atributo desse gênero. Embora ‘ser’ tenha todos estes sentidos, é evidente que o que primariamente ‘é, é a essência, a substância da coisa.  (...) o que é primeiramente, isto é, não em sentido determinado, mas sem determinações, deve ser a substância [...]”[2]. 


1.1.   A substância como principal categoria do ser
Todavia, Aristóteles sempre procurou redigir um quadro que reunisse todos os significados possíveis do ser, distinguindo quatro grupos fundamentais de significados:
1.      O ser como categorias (ou ser em si);
2.      O ser como ato e potência;
3.      O ser como acidente;
4.      O ser como verdadeiro (e o não-ser como falso)
Contudo, o grupo principal dos significados do ser e que constitui as divisões originárias do ser é o das categorias. Reale elenca todas as categorias, e estas são: “(...) 1. A substância ou essência; 2. qualidade; 3. quantidade; 4. relação; 5. ação ou agir; 6. paixão ou sofrer; 7. onde ou lugar; 8. quando ou tempo; 9. ter; 10. jazer (...)”[3].
Deve-se destacar que, embora se trate de significados originários, somente a primeira categoria, ou seja, a substância, tem subsistência própria, autônoma, enquanto todas a outras pressupõem a primeira e baseiam-se no ser dela:   

“[...] Ora, em vários sentidos se diz que uma coisa é primeira, e em todos eles o é a substância (...). Com efeito, salvo a substância, nenhuma das demais categorias pode existir independente. E também na definição ela é primeira, pois na definição de cada termo deve entrar a da sua substância [...]”[4].

Diante desta reflexão de Aristóteles, nota-se que “(...) a substância é o ponto de partida de tudo (...)”[5]. Todas as outras categorias subsistem nela. Por exemplo: a qualidade e a quantidade são sempre de uma substância, as relações são relações entre substâncias e assim por diante. Enfim, ao descobrir o significado dessa realidade fundamental existente, isto é, a substância, a compreensão das outras significações fica mais fácil de serem conhecidas.

2. Como se dá a problemática a respeito da substância?
            Com base no que já foi refletido, pode-se compreender por que Aristóteles também define a metafísica simplesmente como “teoria da substância”[6]. E nota-se também o motivo pelo qual a problemática da substância revela-se a mais complexa, visto que ela é o eixo em torno do qual giram todos os significados do ser.
             Aristóteles considera que os principais problemas relativos à substância e que devem ser discutidos são: Primeiro: quantas substâncias existem? Pois, alguns filósofos dizem que só existem substâncias sensíveis; entretanto, outros dizem que não existem somente substâncias sensíveis, mas também supra-sensíveis; e segundo, o que é a substância em geral, isto é,  o que se deve entender quando se fala de substância em geral? 
Aristóteles busca definir, primeiramente, a questão da substância em geral. A questão da existência de mais de uma substância, a qual Aristóteles chega a conclusão de que há, sim, mais de uma: sensível corruptível, sensível incorruptível e supra-sensível, que também será exposta por ele. No entanto, este trabalho, como já foi dito na introdução, se limitará a expor e a refletir somente o aspecto da substância voltado mais para o cunho material do que supra-sensível. 

2.1. Mas, o que é a substância em geral?
 Partindo, então, da pergunta: O que é a substância em geral? Ou seja, qual a concepção que se tem a princípio de substância, Aristóteles construirá sua primeira reflexão sobre a substância sensível.
Ele começa dizendo que os naturalistas apontavam os elementos materiais como princípio substancial: “(...) são substâncias (...) os corpos naturais como o fogo, a água, a terra e o mais dessa espécie (...)”[7]. Já os platônicos indicavam a forma como princípio substancial, visto que, segundo Aristóteles, “(...) Platão (...) postulou duas espécies de substância – as formas e os entes matemáticos (...)”[8]. Por fim, para os “homens comuns”[9], no entanto, a substância pareceria ser o indivíduo e a coisa concreta, feitos a um só tempo de forma e matéria: “(...) E num sentido se diz que a matéria é da natureza da substância, em outro sentido a forma, e num terceiro, a composição das duas (...)”[10].

2.1.1. A substância entendida como matéria, forma e sínolo 
Ao analisar estas afirmações, Aristóteles chega a conclusão de que todos e nenhum têm razão, no sentido de que, tomadas singularmente, essas respostas são parciais, isto é, unilaterais. No entanto, só quando for tomada em seu conjunto que se poderá evidenciar a presença da verdade.
A matéria é um princípio constitutivo das realidades sensíveis, porque funciona como “Substrato”[11] da forma. Por exemplo: a madeira é substrato da forma do móvel, etc. Se houvesse a eliminação da matéria, eliminar-se-ia todas as coisas sensíveis. Em si, porém, a matéria tem a potência indeterminada, podendo tornar-se algo de determinado somente se receber a determinação por meio da forma.
A forma, enquanto princípio que determina, concretiza e realiza a matéria, constitui aquilo “que é” cada coisa, a sua essência, sendo assim de fato substância. Enfim, trata-se de uma forma entendida como um constitutivo intrínseco da própria matéria.
 Já o composto de matéria e forma, que Aristóteles chama “Sínolo”, que significa precisamente o conjunto ou o todo constituído de matéria e forma, também é de fato substância, visto que ele reúne a substancialidade tanto do princípio material quanto do formal: “(...) é da natureza da substância (...) a composição das duas (...)”[12]. 

2.1.1.1. A forma como substância por excelência
            Do ponto de vista empírico e de constatação, fica evidente que o sínolo concreto parece ser a substância por excelência. O mesmo já não acontece, porém, do ponto de vista estritamente teórico e metafísico. Com efeito, a forma é princípio, causa e razão de ser, isto é, fundamento. Em relação, ao invés, o sínolo é principiado, causado e fundado. Ora, nesse sentido, a forma é substância por excelência e no mais alto grau.
            Portanto, em síntese, pode-se afirmar que o concreto é substância por excelência. Contudo, em si e por natureza, a forma que é a substância por excelência. Por outro lado, se o sínolo exaurisse, esgotasse o conceito de substância enquanto tal, nada que não fosse sínolo seria pensável como substância.
Aristóteles percebe um “grau de sintonia” entre forma e substância, pois estes, diz ele: “(...) evidentemente que o que chamamos forma e substância não se produz (...)”[13]; Há um ponto comum entre as duas. Sendo assim, Giovanni Reale afirma: 

“(...) Em seu sentido mais forte, o ser é a substância; a substância em um sentido (impróprio) é a matéria, em segundo sentido (mais próprio) é sínolo e em terceiro sentido (e por excelência) é forma; o ser, portanto, é a matéria; em grau mais elevado, o ser é o sínolo; e, no sentido mais forte, o ser é a forma (...)”[14]. 

   
Conclusão
            Tendo em vista que a questão da substância é muito abrangente, que ela continua, e visto que este trabalho se limitou a refletir um ponto específico e não o todo, percebe-se o quanto à substância tem grande importância na Metafísica de Aristóteles. Ela é compreendida como um diferencial para o entendimento de outros aspectos desta metafísica. Sendo assim, o estudo desta é indispensável e necessário.
            Foi neste intuito que este trabalho buscou abordar o tema da substância, ou seja, perceber realmente o quanto ela é importante e assim ressaltar esta importância por meio de alguns pontos que comprovam tal afirmação.



Referências bibliográficas:

ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga. Tradução de Ivo Storniolo. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003. p. 195 – 198.






[1] Aristóteles, Metafísica IV, p. 86.
[2] Aristóteles, Metafísica VI, p. 147.
[3] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga. p. 197.  
[4] Aristóteles, Metafísica VII, p. 148.
[5] Aristóteles, Metafísica  VII, p. 162.
[6] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga. p. 198.
[7] Aristóteles, Metafísica  VII, p. 148.
[8] Aristóteles, Metafísica  VII, p. 148 – 149.
[9]REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga. p. 199.
[10]Aristóteles, Metafísica  VII, p. 149.
[11]Substrato é definido por Aristóteles como aquilo de que se predica tudo mais, mas que não é predicado de nenhuma outra coisa. (Aristóteles, metafísica VII, p. 149.)
[12] Aristóteles, Metafísica  VII, p. 149.
[13] Aristóteles, Metafísica  VII, p. 160.
[14] REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga. P. 198.

Nenhum comentário:

Postar um comentário