sábado, 5 de março de 2011

Cosmologia!

O homem e o mundo como dimensões integradas e independentes entre si
José Márcio Carlos

            A filosofia do mundo, como reflexão filosófica sobre o dado, deve começar pela análise do que é o dado fundamental da nossa consciência, isto é, o nosso ser-no-mundo. A consciência, com efeito, mesma mais radical e profunda, nunca nos apresenta um puro “eu”, um eu solitário e avulto, mas somente e sempre um “eu no mundo”. O ser-no-mundo é o primeiro dado primordial da consciência que não deve e não pode ser posto, porque é o pressuposto fundamental de toda posição, de toda afirmação ou negação, projeto ou ação.
            Edmund Husserl exprime: “Tenho consciência de um mundo que se estende infinitamente no espaço e que é e foi sujeitado a um infinito devir do tempo. Ter consciência disso significa, antes de tudo, que eu encontro o mundo imediato e visivelmente diante de mim, que o experimento”.
            A partir de Descartes, grande parte dos filósofos modernos inicia a filosofia partindo do eu e do cogito, ou seja, da análise da consciência e do sujeito empírico ou transcendental, ao contrário dos filósofos antigos, que iniciaram a filosofia partindo da consideração do mundo e da natureza.
             A fenomenologia da consciência mostra que o homem reivindica não só de fato, mas também de direito ao conhecimento e conhecimento da verdade, e que ele está cônscio de conhecer e de conhecer o objeto como algo distinto dele, como objeto real, mundo real, ente real, como termo imediato do seu conhecer. E o ente real que o homem conhece transcende qualquer particularização sua, seja o ser em si das coisas materiais, seja o ser em si do sujeito pessoal, o ser como realidade das coisas e o ser como realidade pensante.
            A consciência do “eu” no mundo na perspectiva da infância, uma criança começa a perceber e avaliar, no mundo das suas aparições, não só as relações espaciais e temporais dos objetos em si, mas também e, sobretudo, as proximidades e as distâncias, presenças e ausências dos objetos do próprio corpo, do próprio “eu”, que está no mundo entre as coisas, que faz parte do mundo, mas se vai distinguindo sempre claramente do “resto do mundo”.
            O homem não é sem o mundo e o mundo não é sem o homem. O ser não é senão enquanto o homem está no mundo e o mundo o é para o homem. O homem (eu) e o mundo estão juntos. O eu e o resto o mundo constituem um só dado concreto, complexo e incindível na consciência imediata do próprio ser-no-mundo.
            Entretanto, o homem pode distinguir-se do resto do mundo, porém não pode separar-se do mesmo, pois o homem é na medida em que é no mundo, que pertence ao mundo, que participa do mundo. Um eu que fosse um “puro eu”, como o “eu penso” cartesiano, um eu sem o mundo ou fora do mundo seria só uma abstração e um não dado concreto da consciência, mas pareceria uma ficção que destrói toda realidade vivente. Sendo assim, o mundo está na consciência humana à medida que é para ela, com ela e, de certo modo, nela.
            O homem também é visto como o centro do mundo, o centro de um círculo e de uma esfera, de um horizonte e de um orbe, que na unidade-totalidade constitui o mundo no qual ele é, vive e age, no qual tem realidade tudo o que é real para ele, para sua consciência, para o seu sentimento, para a sua ação, para a sua vida. O mundo é percebido como o ambiente do seu ser, o suporte do seu viver e a totalidade universal do real.
            Ante as reflexões até agora pensadas, pode-se também perceber um outro aspecto importantíssimo, a fim de incrementar ainda mais a discussão vigente: a descoberta de “outros eus no meu mundo”. É um fato imprescindível para a própria auto-afirmação ou auto-percepção do homem, sujeito pensante e individual, em meio a este mesmo mundo. O contato com as pessoas parece, assim, desempenhar um papel essencial no próprio processo de objetivação e exteriorização do homem.
            A vida do homem, as suas experiências no mundo devem ser uma vida em comunhão e em colóquio com os seus semelhantes, vida em comum em um mundo comum. Doravante, nota-se que as partes do próprio corpo humano formam, juntos, um sistema, o corpo do outro e o do homem em particular são um único todo, o direito e o avesso de um único fenômeno.
            O mundo, para ser tal, como ambiente e horizonte da experiência humana, supõe necessariamente uma exterioridade, uma alteridade e uma pluralidade, que por sua vez implicam essencialmente a possibilidade de outros observadores, cuja coordenação resulta todo o mundo próprio da pessoa.
            A consciência do meu ser no mundo não pode, por conseguinte, reduzir-se unicamente à alteridade de um único “eu”, mas necessária e primordialmente inclui outros “eus” como sujeitos pensantes e viventes como o eu (particularidade) da minha experiência.
            Dessa forma, o outro “eu” é como o homem no seu ser, nas suas exigências, nas suas necessidades, nos seus direitos. O nosso mundo comum é, por isso, um mundo social, que reconhece a cada um a plena paridade dos direitos essenciais d pessoa humana.
            O mundo da experiência natural pessoal, na consciência do homem adulto, é um mundo de “coisas”, isto é, de objetos materiais ligados a diversas espécies de sensações visuais, táteis, auditivas e etc. Mas, que existem em si com uma relativa permanência, mesmo fora da minha percepção atual. Por exemplo: os objetos do próprio quarto, os cômodos da própria casa, as casas da própria cidade, o mundo inteiro, os astros do universo, existem mesmo quando não são percebidos, quando se cessa de olhá-la ou de prestar atenção.
            Aos precedentes elementos fundamentais da consciência do próprio ser-no-mundo vem logo se acrescentando um outro elemento decisivo para a formação da nossa visão do mundo, elemento que mostra com maior evidência a independência do mundo em relação a nossa percepção e a temporalidade e contingência do nosso ser e que dá sentido trágico à nossa existência no mundo: a existência do nascimento e da morte.
            Nenhum de nós teve consciência ou conserva a lembrança da experiência do próprio nascimento, assim como nenhum homem, enquanto está neste mundo, pode absolutamente ter a experiência da própria morte. Na visão dos existencialistas, mais especificamente Heidegger, a morte é a passagem ao não ser-mais-aqui. Nem o próprio nascimento nem a própria morte, diz Merleau-Ponty: “podem aparecer-me como experiências minhas, porque se eu as pensasse assim como supor-me-ia preexistente ou sobrevivente a mim mesmo para poder prová-las e não pensaria, portanto, a sério o meu nascimento e a minha morte”.
            Quando pessoas morrem, o mundo não deixa de prosseguir seu curso natural, pois elas podem não mais existir, mas o meu eu e os outros eus existem, o que faz com que o mundo continue subsistindo. Ora, a dupla experiência do nascimento e da morte nos faz quase tocar com a mão uma verdade fundamental: a temporalidade radical e a contingência do “eu” no mundo. Isso para dizer que o homem nasce e morre, contudo o mundo permanece. O ser humano é contingente, temporal e o mundo pode existir sem um sujeito, entretanto, só o homem que não pode viver sem o mundo.
            O homem, não só está no mundo com as outras coisas, num ambiente puramente físico; mas tem também consciência de seu ser-no-mundo e pode refletir e julgar. Este ambiente vital (mundo) é, por isso, constituído pelas coisas com as quais está imediatamente em contato e que lhe são em parte úteis à vida. Ele é cidadão do mundo, assim como do cosmos. Mas, ainda que materialmente, contudo, o homem no universo inteiro abraça os infinitos.
            A possibilidade de extensão infinita dá ao homem, na sua consciência, um valor absoluto que apreende a totalidade do ser e contrasta, contrabalançando-a, com a contingência que o homem tem no seu ser material no mundo. Ele conhecendo e julgando o mundo, destaca-se dele, afasta-se e o objetiva, como conhecendo a si mesmo, de certo modo, se separa de si e se objetiva. O homem está no mundo, mas é capaz de transcendê-lo.

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