sábado, 12 de março de 2011

Filosofia Cartesiana!

O cogito cartesiano: caminho para um pleno subjetivismo

José Márcio Carlos 

Ao ler as “Meditações” de René Descartes, mais especificamente a primeira meditação, percebe-se que, a princípio, há um interesse da parte dele em fazer uma investigação séria, coerente e eficaz em relação à questão do problema do conhecimento, isto é, o homem pode ou não conhecer, de fato, todas as coisas?

Para tentar responder tal questão, Descartes coloca tudo em dúvida, com a finalidade de encontrar clareza e distinção. Todas as coisas materiais, Deus e a razão são os pontos amplos, no qual a dúvida perpassa.
Mas, daí vem o questionamento: por que e para que colocar tudo em dúvida? Será só para encontrar clareza e distinção? Descartes, ao longo das meditações, vai demonstrar que o seu objetivo é encontrar o verdadeiro fundamento das coisas em geral.

Dentro das meditações, nota–se que o aspecto mais relevante é a descoberta da res cogitans, isto é, Descartes percebe que ele poderia duvidar de tudo, menos de que ele é uma coisa pensante. Tal evidência abre, então, a era do subjetivismo, ou seja, o sujeito (Cogito) torna-se o centro de toda e qualquer ação humana.

Dentro desta perspectiva, pode-se evidenciar um aspecto importante que afirma a plena subjetividade fundada por Descartes: o cogito como fundamento da existência de Deus e das coisas materiais. 
Descartes afirmava que a noção de um ser perfeito não poderia brotar espontaneamente de um ser imperfeito, ou seja, o autor dessa idéia não pode ser limitado e finito, nem mesmo qualquer outro ser da mesma forma limitado. Se essa idéia de perfeição não é do sujeito, só pode vir de um ser que é mais perfeito. Dessa forma, Descartes chega à conclusão de que tal idéia perfeita, a qual também implica a idéia de infinito, na verdade, está no sujeito por inatismo, isto é, foi colocado por Deus.

Aparentemente, parece que o sujeito se apresenta como totalmente inferior, devido a sua limitação e imperfeição. Entretanto, ao refletir mais a fundo, nota-se que Descartes está, na verdade, reafirmando a superioridade do cogito, pois se há a idéia da existência de Deus, da sua perfeição e infinitude, isso ocorre porque está no pensamento (cogito).

Já que o cogito é algo claro e distinto, o que, então, o torna verdadeiro, compreende-se que se a idéia da existência de Deus e suas características são verdadeiras, é porque o cogito é quem evidencia e não que elas sejam verdadeiras em si mesmas. De que valeria saber que Deus existe, se isto não fosse afirmado pelo cogito? Pois, sendo o cogito o fundamento da existência de Deus, fica confirmado também a clareza e distinção dessa existência, visto que só o cogito é quem vê as coisas com clareza e distinção.

Com a existência de Deus, Descartes chega também a prova da existência do mundo, da “res extensa”, pois Deus é a fonte criadora e o “fundamento” de toda a verdade. E além do mais, o que deixa claro e evidente que as coisas materiais existem é o fato de Deus não ser enganador. Engano é sinal de imperfeição. Sendo assim, conclui-se que, sendo Deus um ser perfeito, isto é, não enganador, fica evidente que as coisas materiais apreendidas pelos sentidos não podem ser, senão, verdadeiras e existentes.

Ao refletir esta questão apresentada por Descartes, nota-se o quanto o sujeito (cogito) busca se demonstrar superior e fundamento de todas as coisas. Primeiro, depois de ter colocado as coisas em dúvida, assim como os sentidos, visualizar a clareza e a distinção nas coisas materiais se tornou difícil. Contudo, ele, logo, buscou encontrar a resposta para esta questão que, por sua vez, não deixou de ter um toque de subjetivismo.

O fato de ser Deus o argumento principal para a veracidade da “res extensa” demonstra também que o cogito é, na verdade, o fundamento desta. Sem a existência de Deus evidenciada pelo cogito, não haveria também a “res extensa”. Sendo assim, é impossível não admitir que o cogito, o sujeito pensante, é o intercessor da existência das coisas materiais.

Tendo em vista o subjetivismo cartesiano, pensar tal subjetividade torna-se o grande desafio da contemporaneidade, pois ela traz alguns sérios problemas que podem comprometer importantes estruturas da sociedade. Alguns deles podem ser destacados da seguinte maneira: a perda do paradigma nos seus moldes universais implicando, assim, num relativismo e num crescente individualismo.  

No que diz respeito à questão do paradigma, antes da revolução gnosiológica, o fundamento (ou paradigma) para o conhecimento das coisas estava externo (no sentido de estar acima do sujeito) ao sujeito (na idade média até o início da modernidade, Deus é quem era o fundamento ou paradigma). De certa forma, pensar nesta perspectiva era o mais correto, visto que, ao pensar um paradigma, deve-se pensar uma fonte sólida, imutável, não contraditória, que sirva de referência e sustentação para todo o resto do mundo nas suas várias facetas, principalmente no que concerne à questão do conhecimento.

Contudo, após a revolução gnosiológica, o objeto se tornou secundário e o sujeito cognoscente o mais importante dentro do processo do conhecimento. Então, dentro desta perspectiva, nota-se que seria desnecessário pensar algo que estivesse fora do próprio sujeito e que servisse de sustentação para um processo de apreensão de um determinado objeto, pois ficaria claro que o sujeito por si só já bastaria.

Entretanto, com a falta de paradigma, o sujeito passa a assumir as funções paradigmáticas, ou seja, já que não há mais a necessidade de algo externo ao sujeito, que evidencie, por exemplo, a verdade ou a falsidade de seus conhecimentos, claramente fica somente a cargo do próprio sujeito ser fundamento ou paradigma para si mesmo, assim como para as coisas.

No entanto, conforme já refletia Descartes: o sujeito é finito e imperfeito. Sendo assim, ele está sujeito a erros. Daí se intui um outro aspecto que o subjetivismo cartesiano pode implicar: o relativismo. Ou seja, a verdade ou falsidade das coisas fica condicionada não mais a condições sólidas e seguras (idéia do paradigma), mas à variabilidade do sujeito.

O relativismo é uma conclusão negativa que se pode abstrair da subjetividade, porque ele cria uma tendência em cada sujeito à criação de sua própria verdade, visto que o sujeito é percebido como fundamento, e não a se se basear em uma única verdade.

Protágoras, filósofo pré-socrático, com a sua frase famosa: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são”, vai dizer que as coisas são concebidas a modo humano. Mas, quando mal interpretada, esta afirmação pode ser vista como uma aprovação do subjetivismo e, consequentemente, do relativismo. E é dessa mesma forma que o cogito cartesiano tem levado as pessoas da contemporaneidade a pensarem, não no seu sentido original.

Por fim, assim como o relativismo, o individualismo contemporâneo também tem sua fonte no discurso cartesiano. Sendo, então, o sujeito (pensante) auto-suficiente, a tendência dele é fechar-se em si mesmo e afastar-se dos outros.

Essas características são reflexos do que representam, realmente, as influências do cogito na sociedade atual. Pensa-se tão cartesianamente e é por isso que as pessoas se demonstram individualistas. Já que elas por si mesmas se bastam, para que se importar com os outros? Eles não podem oferecer nada de novo. E, dessa forma, fica cada vez mais inacessível a relação com as pessoas, principalmente aquelas que se deixam conduzir pelo pensamento cartesiano.

Enfim, percebe-se que o cogito, de fato, transmite uma grande impressão de superioridade sobre tudo e sobre todos. Daí a confirmação do título do texto: “O cogito cartesiano: caminho para um pleno subjetivismo”. Realmente, o que se comprova e que por um bom tempo ainda se comprovará, até que se consiga superar o cogito cartesiano, é que o sujeito é o centro de toda a reflexão.

3 comentários:

  1. Olá Márcio,

    Sou aluno do curso de filosofia na UFC e estou fazendo um trabalho para ser apresentado na disciplina de Antropologia Filosófica sobre a "subjetividade". Esse teu texto veio corroborar à abordagem que quero dar ao tema.
    Gostaria da sua permissão para poder citá-lo durante a apresentação que irei fazer. Pode ser?
    Antecipadamente,
    Antonio G. Castro Jr

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  2. Olá Antonio... Andei meio sumido do blog por motivos de força maior... se meu texto corroborou com seu estudo, isso ja me alegra muito... Compartilhar conhecimento é sempre muito bom... Continue firme com os estudos da Filosofia, pois é muitooo bom... hehehe

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  3. Excelente texto! Me esclareceu muita coisa sobre subjetividade, individualismo e cartesianismo. Realmemte... o coletivo precisa ser um contraponto pra que a sociedade não se desumanize, centrando-se em si mesma. Ainda mais agora com a globalização e o livre acesso à informação e a grande disputa do mercado de trabalho que exige especializações em cima de especializações. O ser humano está potencializando o que não houve em outras épocas, através de ferramentas tão fortes para se enclausurar em si mesmo e de modo cada vez mais "bem-sucedido".

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