terça-feira, 1 de março de 2011

Teologia!

A compreensão Teândrica de “Palavra de Deus” no Antigo Testamento
José Márcio Carlos
           
Ao analisar o Antigo Testamento, seu testemunho interno, poder-se-á encontrar duas formas principais de Palavra de Deus: a palavra do Senhor (יהוה), que se identifica com a “Aliança”, e a palavra do Senhor anunciada pelos profetas. Isso por que ambas constituem a experiência primordial do povo e, ao mesmo tempo, o início de uma teologia viva da Palavra[1].
            No que concerne a visão de Palavra do Senhor (de Deus) como identificação com a aliança, nota-se que, num primeiro aspecto, é de caráter narrativo e se refere brevemente à salvação já realizada (por exemplo, em Ex 19,4 e Js 24,2-13). É uma palavra que diz respeito à atuação de Deus como sujeito e agente principal da história, ou seja, que tende a explicar e explicitar as ações Divinas como ações salvíficas. A salvação é o conteúdo e o povo é o projeto a ser bem executado.
            Num segundo aspecto, pode-se denominar a palavra de Deus com o seu uso no plural, isto é, a partir dos mandamentos que o Senhor Deus dá a seu povo escolhido: “Deus pronunciou todas estas palavras, dizendo: ‘Eu sou Iahweh teu Deus que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão’” (Ex 20,1). São os dez mandamentos (Cf. Ex 20,3-17) apodíticos, palavras que manifestam e transmitem a vontade de Deus. E esta cria uma comunhão de homens livres, assim como um estatuto religioso: “Ele vos revelou então a Aliança que vos ordenara cumprir: as Dez Palavras, escrevendo-as em duas tábuas de pedra” (Dt 4,13). Por estas Palavras imperativas, Deus se manifesta como Senhor, o povo como súdito e a liberdade humana como responsabilidade, quer dizer, estas Palavras revelam Deus e o homem diante de Deus.
            Num terceiro e último aspecto, a palavra de Deus é percebida com a tonalidade referente a “bênçãos e maldições”. Elas introduzem o conceito de “prêmio e castigo” em uma estrutura religiosa: “Quando se cumprirem em ti todas estas palavras – a benção e a maldição que eu te propus (...)” (Dt 30,1). Tudo o que se refere a bens e a alegrias da vida são vistos como sinais de benção, enquanto o infortúneo e o sofrimento transformam o ordenamento salvífico em maldição.
            Tal palavra é condicionada pela obediência ou desobediência do povo, pois esta postura divina esta anexada à Aliança feita. Daí, o episódio do bezerro de ouro ilustrar bem esta questão (Ex 32,1-10). Deus ai é bem direto: “Iahweh disse a Moisés: Tenho visto a este povo: é um povo de cerviz dura. Agora, pois, deixa-me, para que se acenda contra eles minha ira e eu os consuma (...)” (Ex 32,10). Mas o Senhor Deus, ao Moisés interceder pelo povo, recordando o seu juramento feito de uma descendência numerosa desde Abraão, Isaac e Jacó, o fez desistir “do castigo com o qual havia ameaçado o povo” (Ex 32, 14).
Com isso, do lado da história, há a necessidade a ela inerente de uma palavra de Deus, a qual a interprete. Daí, a compreensão de “Palavra de Deus” anunciada pelos profetas. “A palavra profética tem formas características: ‘Assim fala o Senhor, ‘A palavra do Senhor foi dirigidas a...’, ‘Ouvi a palavra do Senhor’, ‘Oráculo de Deus’ etc.’.”[2] A palavra de Deus nos profetas tem uma prevalecência do singular, quer dizer, a palavra profética em geral é mais individual e mais em sintonia com a situação concreta. Cada profecia tem o seu próprio tema e sua função própria.
A palavra de Deus pronunciada pelo profeta tem uma função teológica de interpretação da história. Isso pode-se ver bem, por exemplo, no anúncio das orientações divinas proferidas pelo profeta Jonas à cidade de Nínive (Cf. Jn 3,1-10). “Corresponde ao caráter profético da Palavra de Deus no AT que ela se verifica dentro da história concreta do povo de Deus, como advertência e admoestação críticas, mas também como palavra de salvação, movimentando esperançosamente a história e mudando a sua miséria.”[3]
O profeta faz referência aos mandamentos da Aliança e até, se necessário, dizê-los expressamente. Assim, a palavra profética toma a forma pura de mandamento quando, em nome de Deus e em determinadas situações, ela exige do povo uma atitude concreta: “Então todo o povo respondeu: ‘Tudo o que Iahweh disse, nós o faremos’.” (Ex 19,8).
Diante do povo, o profeta também é executor de benção e de maldição ao proferir a sua palavra de promessa ou de ameaça. Elas se apresentam, às vezes, de maneira categórica e definitiva, com todo o poder e com toda eficácia da palavra de Deus. Contudo, é condicionada pela liberdade humana, quer dizer, Deus, ao se manifestar pela boca do profeta, embora com a intenção de amaldiçoar o povo, por exemplo, caso encontre sinal de conversam, ele é capaz de voltar atrás e cessar o possível castigo. “E Deus viu as suas obras: que eles se converteram de seu caminho perverso, e Deus arrependeu-se do mal que ameaçara fazer-lhe e não fez.” (Jn 3,10).
Neste sentido, diante das duas perspectivas autênticas de Palavra de Deus, vale mostrar que há um elemento de aproximação das duas compreensões da manifestação da Palavra de Deus (Aliança e os profetas): que é o fato de ambas terem um mediador, o qual é encarregado de transmitir o que lhe foi confiado, isto é, o profeta, contudo no sentido mais amplo do termo. Isso também por que é evidente a percepção de que “a palavra de Deus chega aos homens na forma e figura de palavra humana.”[4]
Por fim, nota-se que é evidente que refletir sobre a “Palavra de Deus” é explicitar, sem pretensão de abarcar o todo desta, o sinal do desejo de Deus de sempre estar e querer permanecer em diálogo e relação com o gênero humano. Ele fala diretamente ao homem a partir da cooperação do mesmo, e se utiliza das condições humanas, das suas capacidades, ainda que limitadas, a fim de continuar este seu projeto comunicativo de amor.







Referências Bibliográficas
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002.
EICHER, Peter. Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1993.
SCHREINER, Josef. Palavra e mensagem do Testamento. Tradução de Benôni Lemos. 2. ed. São Paulo: Editora Teológica, 2004.


[1] Cf. SCHREINER, Josef. Palavra e mensagem do Antigo Testamento. p. 19.
[2] SCHREINER, Josef. Palavra e mensagem do Antigo Testamento. p. 21.
[3] EICHER, Peter. Dicionário de conceitos  fundamentais de teologia. pp. 626-627.
[4] SCHREINER, Josef. Palavra e mensagem do Antigo Testamento. p. 19.

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