segunda-feira, 21 de março de 2011

"Sem a música, a vida seria um engano" Nietzsche

Reflexões a respeito da nova paisagem sonora
Juliana Alves Moreira
Graduanda em Música - Licenciatura pela Universidade Federal de Ouro Preto/UFOP
IFAC - Instituto de Filosofia, Artes e Cultura - Campus Morro do Cruzeiro



“Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação da Quinta de Beethoven: - Sim, mas isso é música?
Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação do Tristão de Wagner: - Sim, mas isso é música?
Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação da Sagração de Stravinsky: - Sim, mas isso é música?
Entreouvido no saguão, depois da primeira apresentação do Poème électronique de Varèse: - Sim, mas isso é música?
Um avião a jato arranha o céu por sobre minha cabeça, e eu pergunto: - Sim, mas isso é música? Talvez o piloto tenha errado de profissão?”

É assim que o escritor Murray Schafer inicia suas reflexões em torno na nova paisagem sonora, presentes em sua obra intitulada “O Ouvido Pensante”. Neste capítulo, Schafer nos transporta à sala de aula de música, a fim de descobrirmos qual a nossa função ali. A questão é apresentada: “O que é música?” Nesse contexto, chega-se à conclusão de que é preciso rejeitar todas as definições costumeiras, porque elas não são suficientes para incluir todos os objetos ou atividades referentes à categoria em questão.
O autor chama a atenção para o fato de que não gostava de pensar que a definição de música, objeto do qual ele devotava a sua vida, fosse uma tarefa impossível: “Eu achava que John Cage também não pensaria isso, e então escrevi para ele e lhe pedi sua definição de música. Sua resposta: “Música é sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora de salas de concerto (...)”. A definição de música como simples “sons” era uma atitude impensável em tempos atrás, mas hoje tem se tornado algo mais aceitável.
Para se compreender melhor o conceito de paisagem sonora, seguem algumas reflexões a respeito das idéias propostas pelo educador M. Schafer no contexto da sala de aula:
O conceito de “Paisagem sonora” e “ecologia sonora” surgiram no final dos anos 1960 com pesquisadores da Simon Fraser University, no Canadá. Liderados por Murray Schafer, este grupo de pesquisa formou o World Soudscape Project (WSP) com a finalidade inicial de estudar o meio ambiente sonoro. Mas, a filosofia de estar atento ao som natural de ambientes já encontrava adeptos entre alguns músicos do século 20 e está presente na obra de vários compositores contemporâneos.
Em suas palestras e aulas, Schafer sugere uma “limpeza dos ouvidos”, ou seja, a expansão de nossa percepção auditiva. Dessa forma, ele nos convida a ampliar nossa escuta, percebendo os sons de diversos ambientes. Para isso, Schafer utiliza estratégias para sensibilizar o ouvido de seus alunos como, por exemplo, fazer um passeio em um supermercado de olhos totalmente vendados. Assim, nos obrigamos a valorizar o nosso sentido da audição.
Essa perspectiva inspirou os educadores musicais e os compositores em geral, pois a percepção ampliada da “paisagem sonora”, de certa maneira, se tornou uma motivação para uma ampliação das possibilidades expressivas da música.
Diferentes povos e culturas criam paisagens sonoras diferentes. A paisagem sonora na qual vivemos nos traz o sentimento de pertencimento, de fazer parte daquele ambiente. Alguns músicos da contemporaneidade inspiram-se nessas diferentes paisagens, criando em suas composições sons que não são produzidos por instrumentos musicais, como Hermeto Pascoal e John Cage, entre outros.
Além dessa perspectiva estética da música, o conceito de “paisagem sonora” amplia a consciência em relação aos sons que queremos manter no nosso ambiente e aqueles sons desnecessários, que nos causam danos.
Apesar de fazer parte da paisagem sonora, a poluição sonora das grandes cidades com ruídos em alto volume impede que as pessoas ouçam as frequências mais baixas, e se torna uma grande inimiga da percepção auditiva por saturar os ouvidos. A poluição sonora da sociedade urbana e industrial muitas vezes "esconde" os sons mais sensíveis dos ambientes.


Referências bibliográficas:
Sugestão: vídeo sobre o tema realizado por Abel Roland para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O vídeo dura 16 minutos aproximadamente.
SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Unesp, 1991.
http://www.nics.unicamp.br/nicsnews/002/reportagem.php

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