quarta-feira, 2 de março de 2011

Defesa Atanasiana do Verbo de Deus feito carne!

Santo Atanásio de Alexandria e sua obra “A encarnação do Verbo”
José Márcio Carlos

Teólogo romano e patrístico do período nissênico, considerado santo pela Igreja Católica e Ortodoxa ainda um dos mais prolíficos Padres da Igreja Oriente. Foi um dos defensores do ascetismo cristão, tendo inaugurado o gênero literário da hagiografia, como a vida de Santo Antão do deserto, escrita primeiramente em grego e logo traduzida para o latim, tendo-se difundido com grande rapidez pelo Ocidente do Império Romano. Este gênero baseava-se nas vidas de autores romanos pagãos. Porém, o que Atanásio procura fazer é tornar essas vidas um modelo a ser seguido por todo o rebanho cristão, e é nesse sentido que é visto como criador do gênero; o que relata não tem que ser necessariamente verdadeiro, antes deve infundir no crente cristão a vontade de cultivar esse mesmo modelo de vida[1].
Também é considerado um famoso defensor da tese da consubstancialidade do Pai e do Filho e, portanto, triunfador no Concílio de Nicéia. Bispo e doutor da igreja nascido em Alexandria, Egito, conhecido como o campeão da divindade de Cristo, o pilar da igreja e o pai da ortodoxia. Também chamado o Grande justamente por sua inteligência e sua defesa da ortodoxia.
Foi um dos maiores polemistas da igreja, inimigo feroz de todo tipo de heresia e pioneiro da teologia científica. Ainda diácono, denunciou o arianismo, o qual negava a divindade de Cristo. Arcebispo de Alexandria (328-373) notabilizou-se como defensor da ortodoxia católica ante a difusão do arianismo, apontado por ele como a maior das heresias, capaz de impossibilitar a obra da salvação.
Para ele, como para todos os que crêem na Santíssima Trindade, o Filho era idêntico ao Pai em substância. Como Ário (256-336) possuía aliados poderosos, a luta contra o arianismo rendeu-lhe cinco exílios: em Tréves (335-338), em Roma (340-346) e no deserto da Tebaida, em três oportunidades (356-362). Duas vezes, em sua diocese, foi destituído pelas armas[2].

Obras[3] 

A maior parte das obras está ligada à defesa da Consubstancialidade do Pai e do Filho e à Divindade do Verbo. As obras mais significativas são: 
- Apologia contra os arianos: três livros, onde ele narra às perseguições que sofreu e fala sobre a doutrina ariana;
- O credo de Atanásio: oração e uma das mais importantes afirmações do cristianismo histórico;
- Epístola Sobre o Decreto do Concílio de Nicéia: defesa da consubstancialidade do Pai e do Filho;
- A Vida e a Conduta de Santo Antão: biografia de Santo Antão e defesa da vida monástica como regra para boa vida religiosa;
- Obras Exegéticas (interpretações bíblicas): só restam alguns fragmentos, dos quais o mais importante é uma carta a Marcelino, onde ele comenta a utilização dos salmos na vida das pessoas e seu sentido profético;
- Cartas a Epíteto e a Máximo: recorda que devemos adorar Jesus Cristo como o verdadeiro Deus;
- Contra os Pagãos / A Encarnação do Verbo: Contra o paganismo e a defesa mais importante da consubstancialidade do Pai e do Filho. A natureza e a geração do Verbo Divino.

Comentário da Obra “A encarnação do Verbo”[4]
           
Depois que se ler uma obra de Santo Atanásio, é difícil não perceber uma riqueza de aspectos e argumentos, sobretudo no que se refere à defesa da Consubstancialidade do Pai e do Filho e à Divindade do Verbo encarnado. Mais especificamente como proposta de leitura deste trabalho, a obra “A encarnação do Verbo”, pode-se refletir a cerca da divindade de Cristo, que é para todo gênero humano a manifestação visível de Deus no meio da sua criação. A fim de frisar, em suma, a importância do texto de Santo Atanásio, este estudo tem por meta apresentar os aspectos principais e relevantes a respeito da manifestação visível e palpável de Deus no mundo e em torno da humanidade.
Deus criou o homem (Deus hominem creavit). Mas, esta criação possui uma característica peculiar: todos os seres humanos são diferentes.  Pois, assim vai argumentar Atanásio: antes não havia matéria preexistente, porque se dessa forma fosse, todos seríamos iguais. No entanto, ao nos criar do nada, Deus nos torna diferente. Porém, se pode constatar um ponto de igualdade entre todos os seres humanos: a realidade do pecado.
E é nesse sentido que Atanásio frisa o valor e o sentido da manifestação do Verbo de Deus no mundo, ou seja, é justamente a nossa condição de pecado que fez o Verbo de Deus se encarnar, por que se o homem não tivesse se afastado de Deus, relembrando as figuras da desobediência: Adão e Eva, ele não teria a morte como condição na vida e não estaria sujeito à corrupção.
 Atanásio entende que os homens, ao pecarem, inventaram o mal e invocaram contra si a morte e a corrupção. Inventaram sempre novos delitos como acréscimos (adultério, roubos, etc). Nem mesmo se abstinham do que é contra a própria natureza. Entretanto, não convinha que, uma vez criados, os seres racionais e partícipes do próprio Verbo de Deus perecessem e, corrompidos, voltassem ao nada. Mesmo sabendo que o pecado estava arruinando aqueles que são imagens do Verbo, seria impossível eliminar a sanção promulgada por Deus: transgressão gera morte.
Por isso, o Verbo de Deus se fez carne, habitou no meio do gênero humano. “Competia-lhe reconduzir o corruptível à incorrupção, e salvar o que convinha ao Pai em todas as coisas. Ele, o Verbo de Deus, acima de tudo, era o único, portanto, capaz de refazer todas as coisas, de sofrer por todos, de ser em favor de todos digno embaixador junto do Pai”.
Atanásio, ao refletir esta questão, argumenta que se “Deus se descuidasse, deixando perecer a obra que criara, manifestaria mais fraqueza do que bondade, bem mais do que se não houvesse criado o homem no princípio”. No entanto, este argumento ousado é para expressar, de modo enfático, que a encarnação de Deus na terra é uma realidade profunda e séria, tem um caráter por excelência valioso e necessário.
Entretanto, frente à realidade do pecado, Atanásio compreende que o “arrependimento humano não salvaguardaria o que a Deus convinha; não seria verídico se os homens continuassem sob o poder da morte”. Conforme prosseguira na sua reflexão, o arrependimento não liberta o gênero humano das condições naturais (de tudo o que o homem assume ou interioriza, sejam o pecado ou outra realidade qualquer), mas apenas põe termo aos pecados. Neste intuito, ele conclui que a humanidade não precisa, senão, da encarnação do Verbo, para que este evento obtenha de novo a graça e a restauração de Deus.
            Voltando o nosso olhar para a encarnação do Verbo, percebe-se que a sua missão consiste em assumir um corpo humano, a fim de oferecê-lo em sacrifício em favor dos corpos semelhantes ao dele. Neste sentido, escreve Atanásio: “Pelo sacrifício de seu corpo próprio, ele pôs termo à lei que pesava sobre nós, renovando-nos o princípio da vida, deu-nos a esperança da ressurreição”. Dessa forma, estando o Verbo de Deus unido a todos os homens pelo corpo semelhante ao deles, sendo filho incorruptível de Deus, ele pode revestir os mesmos de incorruptibilidade, sobretudo por que esta está alicerçada à promessa da ressurreição.
             Vale enfocar que o Verbo de Deus, ao se fazer carne (σαρξ, em grego), ele se torna condescendente dos humanos, favorecendo a todos com sua filantropia (amor à humanidade) e manifestação. Ele torna a vida humana ainda mais próxima da realidade divina, ou seja, com a encarnação do Verbo, Deus não mais deve ser estranho e visto como distante da vida humana, mas numa relação intrínseca, imanente e necessária.
É interessante perceber também que, com a encarnação do Verbo, Deus se dá a conhecer, de fato, como ele é, uma vez que é direito do homem conhecer seu criador. Entretanto, o horizonte do conhecimento de Deus só é possível com a interiorização da certeza de todos os homens são imagem e semelhança deste Deus, que é criador de todas as coisas. Vai dizer Atanásio: “O Verbo de Deus veio ele próprio, a fim de que sendo a imagem do Pai, possa re-criar o homem segundo a imagem”.
É reconhecendo as obras corpóreas do Verbo de Deus encarnado que se poderá reconhecer a Deus Pai, isto é, todo agir do Verbo expressa também a ação do Pai. Neste sentido, conhecer o Cristo é conhecer o Pai, por isso a humanidade não deve mais se sentir distante de Deus, ele se aproxima de todos para ser tudo em todos. 
Nota-se que Atanásio alertara que os homens tinham os olhos fixos para baixo, isto é, procurando Deus na criação e nas realidades sensíveis, configurando de homens e de demônios seus deuses, pois forjavam outros deuses. Porém, com o Verbo de Deus encarnado, que veio ao mundo como amigo e salvador dos homens, ao assumir um corpo e viver no meio dos mesmos, atrai para si todos os sentidos dos homens, a fim de que os que excluíam a Deus entre os seres corporais, através das obras que ele realizara corporalmente, pudessem conhecer a verdade e por intermédio dele pensassem em Deus Pai.
Embora agisse de modo humano, suas obras persuadiam a todos a o verem não só como um simples homem, mas também como Deus, Verbo, sabedoria de Deus verdadeiro. Ele se manifesta de modo acessível à humanidade, pois esta requer tempo para entender os sinais de seu criador, que ao se fazer carne, ao habitar em nosso meio, se torna tão próximo e condescendente. Não há mais distinção, mas o que há é unidade, o que com o Verbo e o Pai já existia, mas que necessita, para ser realizada plenamente com o gênero humano, uma adesão dos mesmos.
Por fim, percebe-se que o núcleo fundamental da compreensão da missão do Verbo de Deus encarnado se dá na morte de cruz. Reflete Atanásio: “(...) vinha carregar a maldição que sobre nós pesava, de que modo ter-se-ia tornado maldição (Cf. Gl 3,13), se não sofresse a morte dos malditos? Tal é, efetivamente, a morte na cruz, pois está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro (Dt 21,23; Gl 3, 13)”. A compaixão de Divina é tanta que o Verbo se faz maldito por nós, ou seja, ele assume a maldição que deveria cair sobre todos os pecadores: a corrupção da carne e a morte.
Mas pelo sinal da cruz, o Verbo de Deus vai dá uma nova guinada a história humana, quer dizer, a certeza da graça da incorruptibilidade e de que a morte não é mais a última e única saída para os que encerram sua missão na terra. Todos foram redimidos pelo sacrifício da cruz. Esta é, de fato, o sinal a altura para se invocar a Deus Pai e pedir o seu perdão, pois por ela e pelos ensinamentos do Verbo, a vida humana tem a chance de se renovará profundamente. Isso se pode perceber, sobretudo, com o testemunho dos seus discípulos.
O desprezo pela morte por parte dos discípulos só expressa de modo verídico e claro o que Cristo fez: aniquilou a morte e arruinou a corrupção. Também os sinais relevantes da encarnação do Verbo pode-se averiguar na mudança que Ele provocara-nos que fizeram a experiência sincera dele ou que se deixaram contagiar pela sua mensagem expressa de modo humano, mas com caráter e avanço divinos.
            Atanásio se dedicara também a reflexão dos milagres do Cristo e a refutar os judeus incrédulos, os gregos filósofos e idólatras, os que se fixavam em visões e profecias e etc, buscando enfocar com isso que depois da Encarnação do Verbo de Deus, o que estes grupos dizem não tem mais sentido. Ele ensina os judeus a compreenderem quem é Deus de fato, converte os gregos e mostra o verdadeiro Deus, que é um e não vários, e etc. A verdade autêntica se torna mais acessível ao gênero humano com a revelação de Deus, de modo humano, por intermédio de Seu Verbo. E assim foi o Cristo: Divino que age de modo humano e humano que descortina os obstáculos que impedem de conhecer e experimentar o Divino.


[1] Pesquisa feita e adaptada pelo site: pt.wikipedia.org/wiki/Atanásio_de_Alexandria.
[2] Pesquisa feita e adaptada pelo site: www.dec.ufcg.edu.br/biografias/Atanasio.html.
[3] Pesquisa feita e adaptada a partir deste site: www.consciencia.org/atanasio-de-alexandria-biografia-e-pensamentos.
[4] ATANÁSIO, Santo. Contra os pagãos; A encarnação do Verbo; Apologia ao imperador Constâncio; Apologia de sua fuga; Vida e conduta de S. Antão. Tradução de Orlando Tiago Loja Rodrigues Mendes. São Paulo: Paulus, 2002.

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